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Foto do escritorFran Paula

PAZ QUILOMBOLA: Agricultura e Alimentação

Atualizado: 3 de dez. de 2023

É impossível compreender a agricultura quilombola sem compreender a história do quilombo, do negro no Brasil.


A imagem distorcida sobre os quilombos no Brasil a muito tempo está meramente associada a espaços que surgiram a partir da fuga da escravidão, ou descritas como tentativas frustradas dos negros pela tomada do poder. Reduzindo assim a constituição do quilombo a uma ação desordenada na busca por liberdade.

Contudo, em meio a uma guerra colonial, houveram levantes e resistências contra-hegemônicas, o quilombo é uma delas.

Reduzir o quilombo a espaços ociosos resultantes da fuga de escravos, é colaborar com a mesma lógica colonial e racista, que reduz a potência e força dos negros no Brasil até os dias atuais.


O Quilombo em Guerra contra a ordem social!


Beatriz Nascimento (1942 – 1995), em seus escritos em sua trajetória de luta enquanto quilombola e intelectual descreve os quilombos como um assentamento social, uma nova ordem contra-hegemônica a estrutura escravocrata do período colonial. Ou seja, o quilombo como parte de um processo insurgente no Brasil está muito além da fuga.

Torna-se, evidente a necessidade de analisarmos a fundo as estratégias sociais e políticas embutidas na constituição dos quilombos no século XVI, mas ainda presente nas mais de 5.972 comunidades remanescentes de quilombolas existentes no Brasil (CONAQ, 2022).

...estabelecido em um espaço geográfico, presumivelmente nas matas, o quilombo começa a organizar sua estrutura social interna, autônoma e articulada com o mundo externo. Entre um ataque e outro da repressão oficial, ele se mantém ora retroagindo, ora se reproduzindo. Este momento chamaremos de Paz quilombola, pelo caráter produtivo que o quilombo assume como núcleo de homens livres, embora potencialmente passiveis de escravidão (NASCIMENTO, 2018. p76).

Desde o século XVI, os quilombos resultaram de estratégias de auto-organização, diante das violências e ameaças que o sistema escravocrata estabelecia. Uma das principais foi a produção de alimentos.

Modos de Produzir, se alimentar e viver em paz!

A produção de alimentos na manutenção da paz quilombola, se tornava uma estratégia fundamental, tanto para o consumo interno quanto para a produção de economias externas, necessárias para a defesa do território.

Sob o comando de Tereza de Benguela o quilombo do Quaritere abrigou mais de 100 pessoas entre índios e negros, localizado em um território de difícil acesso no Pantanal, onde foi montado um forte aparato de defesa e um parlamento para decidir em grupo as ações da comunidade.

Tereza, comandou a estrutura política, econômica e administrativa do quilombo, mantendo um sistema de defesa com armas trocadas por alimentos. Viviam do cultivo de algodão, milho, feijão, mandioca, banana, e da venda dos excedentes produzidos.

Conhecer o território, produzir alimentos, conservar as florestas eram medidas de sobrevivência e proteção, considerando as perseguições que se intensificavam com as fugas (CASTRO, et. al, 2021. p.44).

Diante disso na busca de melhor compreender a agricultura reproduzida nos quilombos de Mato Grosso, mais especificamente no território da baixada pantaneira, tenho encontrado fundamentos que me provocam a ampliar o olhar para além das práticas culturais e técnicas de manejo de roçados coletivos meramente para produção de alimentos nessas comunidades.

Não escolhi este local para estudo, fui escolhida por ele. Foram as raízes do quilombo Campina de Pedra no município de Poconé, que me fizeram quilombola antes mesmo de ser agrônoma.

É desse lugar, que considero impossível compreender a agricultura quilombola, sem compreender a história do quilombo, do negro no Brasil.

São uma diversidade de práticas agrícolas empregadas desde o manejo da terra ao preparo do alimento que carregam processos que são passadas de geração a geração, mas que alimentam também a estrutura social das comunidades.

Práticas que são adaptadas e aprimoradas ao longo dos anos. Portanto precisam ser analisadas de forma conjuntas e dentro de uma temporalidade.

Tecnologias ancestrais se situam em processos históricos e dinâmicos no tempo, não é algo atrasado como insistem em rotular.

Portanto, analisar a resiliência ao longo do tempo dos sistemas agrícola tradicionais, é uma variante importante nos territórios tradicionais e quilombolas. Considero um erro métodos e analises que fragmentam e fixam as práticas agrícolas nestes territórios.

Os conhecimentos sobre o manejo da terra, de produção de alimentos saudáveis, não resultam apenas da atual momento histórico.

Se os passos quilombolas vêm de longe, a relação com a terra, com a natureza e com o manejo das florestas e agroecossistemas também.

Os efeitos da colonização e escravização no Brasil, seguiu ameaçando a paz quilombola nos pós-abolição, principalmente através dos mecanismos racistas adotados e reproduzidos pelo Estado Brasileiro que legitimou de diversas formas a violência contra os quilombos e sua população negra.

Cabe aqui citar a lei de Terras de 1850 que privou a população negra do acesso a terra e território e de possibilidades de reprodução social de seus modos de vida.


A PAZ QUILOMBOLA NA ATUALIDADE!


A não regularização fundiária dos territórios quilombolas são fatores que ameaçam a paz quilombola nos dias atuais, bem como a não garantia de direitos básicos à sobrevivência da população negra, entre eles o acesso à terra e alimento.

Considerando ainda os inúmeros dados que demonstram que são estes grupos sociais os mais vulneráveis à fome e a violência no país.

Os últimos dados do Censo Agropecuário (2017), explicitam a manutenção do racismo fundiário no Brasil, onde a terra continua concentrada na mãos de proprietários brancos. E quanto mais se aumenta o tamanho da propriedade de terra, menos negros são produtores rurais.

O resultado da desigualdade de distribuição de terra no Brasil é significativo: produtores brancos ocupam 208 milhões de hectares – quase 60% de toda a área das propriedades rurais registradas pelo IBGE.

Para Castro (2023), as permanentes ofensivas sobre estes territórios desencadeiam conflitos e mortes em diversas regiões do país. Nas áreas rurais, em relação a 2020, houve um aumento de 18% de despejos, 215% da destruição de casas e 43% da destruição de roças de alimentos (CPT,2022).

O censo do IBGE em 2023 pela primeira vez recenseou a população remanescente de quilombos no Brasil, os dados apontam para a presença de 1,32 milhões de quilombolas no Brasil, porém apenas 4,3% da população quilombola reside em territórios já titulados no processo de regularização fundiária ( IBGE, 2023).

Segundo a CONAQ o aumento da violência contra lideranças quilombolas é crescente no Brasil. Na última década, pelos menos 30 lideranças quilombolas foram assassinados defendendo seus territórios (CONAQ, 2023).

A guerra continua contra os corpos e territórios negros no Brasil. A estrutura racista persistente na sociedade brasileira segue impondo um conjunto de adversidades, que ameaçam a paz quilombola.


Rio de Janeiro, 20 de novembro de 2023.

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